Imprimir esta página
segunda, 04 setembro 2017 11:55

CUJÓ: UMA GENEALOGIA (6)

Escrito por 

HISTÓRIA VIVA

Sabido isto, cientes de que António Pereira Amador era uma pessoa estimada na vila de Castro Daire ao ponto de, em 1908, ser acompanhado à sepultura pela gente grada do burgo e a sua urna ser acompanhada e coberta com as mais diversas coroas de flores (nativas e exóticas) e, bem assim, digno de tão laudatório elogio fúnebre publicado no jornal local «A Voz do Paiva"» difícil é compreender que ele não tenha perfilhado a filha Florinda, concebida com Felismina de Jesus antes do seu casamento com Líbia Cândida de Jesus, já que, a fazer fé na  narrativa oral e nas relações amistosas entre todos os membros da família Amador, nomeadamente as filhas legítimas, Ema e Dulce que sempre consideraram Florinda sua irmã e, ainda, dois filhos da Ema, como já referi antes, seus netos,  terem aceitado ser padrinhos de batismo de dois bisnetos de Cujó, assumidamente primos, sabido tudo isto, dizia,  não era de esperar que, nesta narrativa oral autêntica, eu não visse em António Pereira Amador,  o  «cavaleiro de bela figura"»  o meu bisavô paterno, omisso, como tal, e pelas razões que apontei no princípio deste retorno ao passado, nos cartórios tabeliónicos da época.

 AMADOR -REDZPelo que, dado este passo de associação e de raciocínio,  o tecelão da História  que tem por lema revelar o que julga ser a verdade, que tem a obrigação de nomear e incluir todos os protagonistas da ação na narrativa que elabora e não sacrificar a verdade à conveniência ou inconveniência,  o tecelão da História, dizia eu, neto do pisoeiro António Tereso, marido de Florinda Correia, profissional  treinado no enfortir do burel, calculando o tempo de pisoagem necessário à  textura impermeável à teia, sem o que não saía do engenho para entrar na casa dos alfaiates para dela, à maneira de Idade Média, recortarem calças de burel, casacos de burel, coletes de burel, capuchas de burel, tudo de burel, usados pela  gente rústica da serra, que não tinha posses para se vestir de serrobeco, esse pano de que, no inverno, se vestiam as gentes urbanas e fidalgas, o tecelão da História, repito eu, que, na dúvida, cotejadas as fontes escritas e fontes orais, opta sempre por colocar e pesar o produto da sua investigação no prato da plausibilidade e jamais no prato de  certezas inconsistentes, dada a consistência da narrativa oral, obrigado é a dizer que, com toda a probabilidade e honra, Felismina de Jesus é a sua bisavó paterna, aquela mãe solteira que, pelas circunstâncias da vida, em resultado de amores mal sucedidos, tantos e tantos como os dela, no tempo em que o hospício sucedeu à roda, teve a coragem, a nobreza e a dignidade de entre dois males escolher o que menos prejudicasse a criança, isto é, não podendo assumir-se  mãe dela, legitimada pelo matrimónio, escolheu assumir o papel  de ama, assegurando-lhe, ela própria,  a mama, vindo depois, nessa condição, junto do posterior companheiro, a esfumar a vida lá por terras brasileiras, longe da ucha e do progenitor natural da filha sua. E, eis as malhas que o destino tece: esse progenitor - um senhor -  não dando o nome e identidade à filha, sem nome ficou ele na fotografia que deixou para a posteridade, encontrada agora, nos esquecidos àlbuns da FAMÍLIA AMADOR, que gentilmente, a meu pedido, me foi cedida. E eu, um bisneto seu, aqui a ponho no MUNDO identificada, presumindo a sua identidade baseado na indumentária do seu tempo e no mimético e monárquico bigode «à D. Carlos»  (falecidos no mesmo ano) Quem é que, mesmo sendo republicano, nascendo com o cariz de conquisatador, rejeitava ter sob o nariz, aquele simbolo de poder sedutor, em tempos de uma MONARQUIA  ornamentada de criados, de  servos, de vassalagem e bastardia a eito? O exemplo vinha de cima e não era só no traje e no bigode que os vassalos do Reino imitavam Suas Majestadess. (Cf. neste site, a crónica com o título "Castro Daire-Tabelião e escrivão" e foto ilustrativa da indumentária do tempo, 1880) 

Por tudo isso, atendendo ao tempo histórico, excluída que foi, Felismina de Jesus, da ÁRVORE GENEALÓGICA  desenhada  pelo meu primo  AMADEU   DUARTE  PEREIRA  eu a incluo, com todo o afeto, na presente narrativa.

É que, quando este meu primo me passou para as mãos a PEN com os resultados digitalizados da sua investigação, não o fez sem dizer-me, à laia de provocação: «aqui tens, o resto é contigo, tu é que és o historiador». E eu, respondendo ao repto, apressei-me a inserir a PEN na entrada USB do meu computador e, mal abri as pastas nela inclusas, vi que estava metido num campo arqueológico repleto de ossadas, nomes e datas, todas, exceto a que, muito fugidiamente -  Felismina de Jesus -  deixou o nome no registo de óbito da filha Florinda Amélia de Carvalho.  E, contemplativo, face a todo este cenário de pó, de nomes, datas, ossadas  e linhas cruzadas, pareceu-me ouvir um eco difuso vindo de nenhures: «junta tudo, reconstitui o passado e diz a cada uma das pessoas, como Jesus disse a Lázaro: «levantem-se e andem».

É o que, sem poderes divinos e tão só os poderes humanos do historiador, tenho andado a tentar dizer e fazer nestas últimas semanas. É isso. A juntar e a cruzar as datas, nomes e ossadas, a dar-lhes músculos, a  tentar incutir em cada pessoa o sopro da vida, as motivações humanas, pensamentos, afetos, anseios, realizações, frustrações, gostos, desgostos, virtudes e defeitos, vistos com os olhos do seu tempo e do meu tempo, por forma a não defraudar, em primeiro lugar, o meu primo que, como garimpeiro, tanto trabalho e despesas teve para me oferecer, toma lá, o «ouro de lei» com o qual tenho andado a burilar esta jóia de família. E, em segundo lugar, para que desta mesma joia possa refulgir o respeito e a humanidade devidos a todos os protagonistas dela, e semelhantes em iguais circunstâncias da vida, independentemente das suas origens, estatuto social e atos praticados. As suas realizações e frustrações. E quem se achar capaz disso que «atire a primeira pedra».

Prossigamos.

De facto foi esse meu primo que me meteu nesta alhada. E eu espero ter compensado as despesas que ele desembolsou nos trilhos burocráticos, com vista à aquisição de todos os documentos que já referi e mais os que vieram completar a informação que lhe forneci,extraída da imprensa local, sobre ANTÓNIO PEREIRA AMADOR, o «cavaleiro de bela figura». Chegou, pois, o momento de sabermos algo mais sobre ele com a publicação do seu registo de nascimento e de casamento, para, no próximo capítulo,  conhecermos a sua prole.

Baatismo-Amador - Cópiaa) BATIZADO

«Aos quatro dis do mês de fevereiro de mil oitocentos e cincoenta e cinco batizei solenemente o António que nascceu no dia vinte e seis de janeiro do dito ano, filho legítimo de José Gonçalves da Silva e de Ana Amador, neto paterno de  António Gonlçalves e de Ana Pereira Amador e materno de José Pereira Amador e de Maria da Silva, foram padrinhos António Marinheiro e Inácia Amador, solteiros. Foram testemunhas José dos Santos e António dos Santos, todos desta fregeusia das Monteiras, de que fiz este assento dia, mes e era ut supra.

 José + dos Santos. António dos Santos

o Reitor Agostinho José da Rua»

 

 1-António Pereira Amador e Líbia 1b) CASAMENTO

«Aos treze dias do mês de Setembro do ano de mil oitocentos e setenta e nove, na igreja paroquial e concelho de Castro Daire, diocese de Lamego, na minha presença compareceram os nubentes, António Pereira Amador e Líbia Cândida da Silva de que sei serem os próprios com todos os papéis do estilo corrente e sem impedimento algum canónico ou civil para o casamento: ele de idade de vinte e seis anos, solteiro, marceneiro, natural do lugar de Colo de Pito, freguesia das Monteiras, onde foi batizado e morador nesta vila, filho natural de Genoveva Amador, solteira, natural deste lugar de Colo de Pito, ela de idade de vinte e quatro anos, solteira, natural  e moradora nesta vila e freguesia, onde foi batizada, filha legítima de Manuel  da Silva e Rita Cândida de Jesus, naturais desta vila, os quais nubentes se receberam por marido e mulher e os uni em matrimónio procedendo em tudo conforme o rito da Santa igreja Romana: são testemunhas presentes que sei serem os próprios o Padre António Abreu e José...(?)

José Augusto de Almeida Chaves, professor de Instrução Primária nesta vila e para constar lavrei em duplicado este assento que sendo lido e conferido perante os cônjuges e testemunhas comigo assinaram por saberem escrever. Era ut supra».

Pe. António Abreu

José Augusto de Almeida Chaves».

Líbia de Jesus-Batismo - CópiaReleva-se a não coincidência das idades dos nubentes e da filiação exaradas nos registos de «batismo» e de «casamento».No primeiro, o «António» é considerado filho «legítimo» e no segundo filho «natural». Confusão de registos ou «Antónios» diferentes, ambos «Amadores»? O mesmo para «Líbia». No «batismo» é filha «natural» de Rita Cândida de Jesus, solteira, de «pai incerto» e no «casamento» aparece Líbia Cândida da Silva, «filha legítima de Manuel  da Silva e Rita Cândida de Jesus, naturais desta vila».

Feito isso, apoiado no bordão de cumpridor de promessas, continuarei a romagem a Santiago,  esta que nunca esteve nos meus planos fazer, e sobre a qual, parafraseando Aquilino Ribeiro direi: ela não deverá ser muito longa, pois começa a «esgotar-se a água na cabacinha». Um lanço mais ...e pronto. Para fecho escolhi o simbólico e sacramental número ordinal: SÉTIMO. É o próximo e último capítulo.

Continua

 

Ler 1594 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.