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quinta, 02 junho 2022 13:24

TEIXO «O ÚLTIMO DOS MOICANOS»

Escrito por 

 “O ÚLTIMO DOS MOICANOS”

Após publicação dos vídeos e do texto que fiz sobre a OSSADA que restou de um TEIXO que existiu em LAMELAS DE LÁ, essa árvore mítica e sagrada dos Celtas, tão «amada quanto odiada» que virou altar cristão de Santa Bárbara, a grande defensora contra as trovoadas, recebi, via MESSENGER, algumas fotografias vindas de “BARRÔ LAMELAS”(identificação facebookiana) sem qualquer nota explicativa.

Face à gentileza e cedência de tão precioso material fotográfico, ignorando eu a verdadeira identidade do remetente, apressei-me a agradecer-lhe pela mesma via, tal qual se mostra nos “prints” ao lado, cujo texto reproduzo para melhor leitura:

texto-1Agradeço as fotos. Serão muito úteis para futuras referências. Agradecia nome completo para atribuir os respetivos méritos. Sou HISTORIADOR e o ofício obriga-me a ser exigente com esses pormenores. Fez um excelente registo. Mais uma vez obrigado”.

Como ele me tivesse respondido ser “ABÍLIO CARDOSO”, respondi, de pronto:

texto-2Também é ABÍLIO? Coisa interessante, um ABÍLIO restaura, outro ABÍLIO faz a história. Se não vir inconveniente podemos ter uma conversa filmada junto da ESCULTURA e você explicar o que o levou a fazer a ESCULTURA. O senhor Jacinto já disse muito, mas há sempre algo mais que fica por dizer. E tratando-se da OSSADA de uma árvore EXTINTA, ainda por cima SAGRADA PARA OS CELTAS, não se perderia nada acrescentar o mais que souber. É só dizer-me e eu vou lá. Para isso tenho mota. Abraço.”

Esperei, mas este conterrâneo, pronto e prestável a ceder-me as fotos, não se dispôs a acrescentar algo mais sobre a ESCULTURA da qual diz ter sido o responsável pela junção dos TRÊS GALHOS soltos que restavam do velho TEIXO que pela comunidade local considerado era uma espécie de para-raios, por “atrair as faíscas”, no dizer do senhor Jacinto e Dona Maria Augusta, reportando-se à SANTA BÁRBARA, ambos naturais da terra, com idade bastante para não serem levadas a sério.

teixo-1teixo-2Assim, sem informações complementares que viessem enriquecer o “dito, feito e visto” no texto e vídeos publicados, sempre empenhado nas respostas que nos dão os documentos, as pessoas e as coisas quando  interpeladas são, sempre disposto a ouvir o que a nós humanos, nos dizem de humano as coisas inertes ou mortas, todavia recheadas de informação oculta, quero aqui deixar, na íntegra, um texto de MIGUEL TORGA, escrito em novembro de 1947, no qual se refere a um TEIXO, ao seu valor simbólico e prestes a desaparecer da face da terra.

Vale a pena trazê-lo aos tempos que correm e associar as palavras que ele dedicou ao ABADE DE BAÇAL e o título «O ÚLTIMO DOS MOICANOS» que eu dei ao texto e ao vídeo, advertindo e almejando que tal designação não viesse aplicar-se a mim próprio. Assim:

«Coimbra, 14 de Novembro de 1947- Morreu ontem o abade de Baçal, um homem pré-histórico e sábio. Pré-histórico, por­que se manteve sempre na primitiva decência de uma humani­dade fundamental; sábio, porque sabia do seu ofício, que era a arqueologia. Patego e sem génio, trouxe para a reflexão dos pro­blemas da cultura um bom senso campónio, terroso, que tem a utilidade doméstica do Borda d’Água. E a sua obra é uma espé­cie de «governo do ano» do distrito de Bragança. As luas, quan­do se rega e semeia, a época das colheitas, e as rezas com que é preciso ajudar a semente. Parece pouco, mas é assim que se começa.

Como bípede e transmontano, gostava de lhe ter dito duas palavras sobre a sepultura. Nada de particular. Testemunhar-lhe apenas o meu respeito, não pela obra, que é rudimentar, como digo, nem pela vida, que foi de primário, como se sabe. Gostava de o saudar pela raridade da sua casta. Andei há tempos várias léguas para ver um teixo, que é uma árvore que os botânicos dizem que vai acabar». (in «Diário»  vols. III e IV, pp 151-152)

teixo-3

Fica claro que Miguel Torga teve de andar léguas para «ver um teixo», a árvore que os botânicos «dizem que vai acabar». O escritor/poeta não disse onde se situava tal árvore e essa omissão permite-nos especular que tanto podia ser aquela da qual vemos agora apenas a OSSADA, em Lamelas de Lá, como outra qualquer em sítio esconso e longe da sua morada.  E releva a «raridade da sua casta» por comparação com a personalidade e o caracter do Abade de Baçal: «Pré-histórico porque se manteve sempre na primitiva decência de uma humani­dade fundamental; sábio, porque sabia do seu ofício, que era a arqueologia (…)»

 Ao tempo que Miguel Torga escreveu isto, tempo em se viu nestas andanças, reportando-se a estes dois seres dignos de respeito pela «raridade da sua casta» não teve presente a narrativa de James Fenimore Cooper, no seu livro «The Last The Mohicans», editado em 1826. E também estávamos longe de chegar às salas de cinema o filme com título homónimo, datado de 1992. Se tal tivesse acontecido, duvido que ao escritor/poeta não lhe ocorresse aplicar ao teixo e ao abade de Baçal, pela «raridade da sua casta»  o título por mim aplicado a estes meus apontamentos.

 

link vídeo

https://youtu.be/wLZ-c2C23Tk

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.