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segunda, 06 setembro 2021 16:27

SÃO PEDRO E O GENTIO (2)

Escrito por 

Chamaram-lhe um ESCÂNDALO, um PRETO, um JOGADOR DE FUTEBOL, um HOMEM COM SAIA e até um LADRÃO a fugir do templo, depois de praticar um assalto. Tolo. Com duas janelas ao lado e atravessou a parede sem a esbarrondar. Um milagre, por certo.

Já disseram quase tudo sobre a novel ESCULTURA de JOSÉ LUIS LOUREIRO posta no rosto da sacristia da IGREJA MATRIZ DE CASTRO DAIRE.

S.PEDRO-IGREJA1

Mas a tempestade, neste mar agitado de “escárnio e maldizer” (uns por ignorância, outros por malquerer) vai amainando. E, se PEDRO, apóstolo de carne e osso, sobreviveu às águas agitadas do MAR DA GALILEIA, o SÃO PEDRO moldado em bronze, remoçado, alto e pesado, a levitar nos ares de Castro Daire, vai, seguramente, ter um futuro longo e largo.

Mas eu cometeria uma grande injustiça não dar alguma razão aqueles que viram naquela ESCULTURA um JOGADOR DE FUTEBOL. É que, mesmo ignorando isso, aqui lhes digo, a esses maldizentes, que bem perto do sítio onde ela foi posta, existiu um ESPAÇO destinado ao JOGO DA BOLA.

Passo a contar o que reza a HISTÓRIA:

PEDRO-FRENTEDecorria o ano de 1863. Repito por extenso e em letras maiúsculas: “MIL OITOCENTOS E SESSENTA E TRÊS”, o ano em que a MESA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE CASTRO DAIRE decidiu construir o HOSPITAL que chegou até aos nossos dias, convertido num LAR DE TERCEIRA IDADE, designado LAR SÃO JOSÉ.

Para que tal ideia pudesse ser levada a cabo, necessário se tornava haver um terreno propício e, para tal foram ouvidos o Partido Médico, o Administrador e o Delegado de Saúde do Distrito. E estes aconselharam um terreno existente ao lado da Igreja Matriz, terreno onde estavam implantadas três casas contíguas, confrontando com o “Largo do Arco da Igreja, com o CARREIRO DA BOLA e com o Passal”.

Não se podendo desalojar os moradores sem a respetiva indemnização, o rei Dom Luís autorizou a compra dos terrenos e o inquilino António José Monteiro recebeu 72.000 mil reis, José Ferreira Simões, 60.000 mil reis e João da Cunha, 55.000 mil reis, tudo em “metal sonante”, para deixarem os seus aposentos.

O senhorio direto era o Abade de Castro Daire, Manuel Pinto Machado de Sousa Alvim, que recebeu o correspondente “laudémio”, da transação, v.g. 4$675 reis.

Ora cá está. Todos estes pormenores serviram para sublinhar que nas cercanias da Igreja Matriz de Castro Daire, a HISTÓRIA regista ter existido um espaço onde se jogava a BOLA. O documento por mim utilizado fala no “CARREIRO DA BOLA”, mas a designação de “LARGO DA BOLA”, “TERREIRO DA BOLA” e “CAMPO DA BOLA” chegou , por via oral, até aos tempos presentes, pois nesse espaço se entretinha a “canalha” castrense a “jogar a bola” de trapos, pés descalços, como bem me contou o Mestre Sapateiro, Abel Ferreira, no dia 01 de junho, pretérito passado, antes de qualquer alarido em torno da ESCULTURA. (cf. link do vídeo, em rodapé).

E de “PÉS DESCALÇOS” está também aquela FIGURA, em jeito de quem joga a bola, daí alguns castrenses, na tentativa de amesquinhar “CRIADOR E CRIATURA”, verem nela um JOGADOR DE FUTEBOL, em vez de um SANTO.

Diferente e tanto é, contudo, a postura do HISTORIADOR. E aqueles PÉS DESCALÇOS, em posição de marcha, em posição de andamento, de passo dado, trouxe-me à memória o ÊXODO BÍBLICO, a grande marcha do “povo eleito” através do deserto, alimentando-se de maná, durante 40 anos. Um milagre, um acontecimento que atravessou séculos e que, em 1264, o PAPA URBANO IV, instituiu como a FESTA DO “CORPUS CHRISTI”, designação que, pela grafia e fonia (excluída a semântica) remete imediatamente para CRISTIANO, daí que todos os que treinam a tola a ler os jornais “Record”, o “Jogo” e “A Bola”, vejam na escultura um futebolista e chamem CATEDRAIS aos ESTÁDIOS DE FUTEBOL. Eles que idolatram, endeusam e santificam os seus jogadores preferidos. É tudo uma questão de ANALOGIAS, DE CRENÇAS, de MILAGRES, de TEMPLOS e dos ÍDOLOS DOS NOSSOS DIAS.

PEDRO-BOLA-1Aquela ESCULTURA fundida em bronze, alta e pesada, com aqueles “PÉS DESCALÇOS”, em posição de andamento, em posição de marcha lenta, com tão ampla significação popular e bíblica, com significado tanto, só pode dever-se ao génio iluminado do ARTISTA, ou à inspiração do ESPÍRITO SANTO.

Seja como for, em qualquer dos casos, virada a nascente, olhar em frente, andar confiante, tal como o “povo eleito” (convém lembrar que Jesus e os apóstolos eram judeus) terá sempre, em Castro Daire, de enfrentar o DESERTO das LETRAS E DAS ARTES e deixar a pegada no confuso areal das opiniões alimentadas pelo maná da ignorância e do maldizer.

Mas, fundida naquele metal, assim pesada e pensada, dura de roer, bem alto colocada, fora do alcance do camartelo e de mão sacrílega desejosa de lhe fazer dano, com fé ou sem fé, com bola ou sem bola, resistirá tempos fora, muito, muito ano, tal qual é.

E como disse um dia um conhecido político, a propósito de um evento nacional:

- HABITUEM-SE!

NOTA: o vídeo, cujo link se anexa, foi feito antes de qualquer alarido levantado em torno da ESCULTURA em causa. Fala da “MALTA DO PÉ DESCALÇO”. PREMONITÓRIO.

 https://youtu.be/GZeAPNaWZm0

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.