Eu, que, assim desejo e quero, cogito e me lembro das batalhas em que particupei, das navegações que fiz, nos mares que atravessei e terras que conquistei. Eu, que cogito e vivo a Conferência de Berlim, assisti à partilha de África, a cada país europeu um naco seu, inchado de matéria-prima pronta explorar. Eu, ledor de literatura, poesia, histórias reais e ficcionadas, de faro e memória semelhante ao cão Argus, o único que reconheceu o dono depois de tão longa ausência. Eu, que vi passar séculos de vida, de turbulências, paz e amor, porque assim o desjo e quero, porque assim cogito e navego ainda no Mediterrâneo na companhia desse herói de tempo ido, aquele que não receou desafiar o Poseidon, aquele que ardilosamente cegou o filho Polifemo, o cíclope, o pastor ilhéu. Eu, cogito sobre todas estas coisass dos homens, dos deuses e do demo.
E eu resuscitei Fenícios, Gregos e Cartagineses e faço-lhes companhia nas viagens de comércio e de confronto com os concorentes a navegarem no sentido este/oeste e vice-versa. Sim, ali, naquele “mare nostrum” dos romanos e seu império em redor, habitado por gente diversa.
E, no mesmo mar que separa continentes e gentes, ainda se acoita atualmente Posídon, Polifemo e o Ulisses. E, passados tantos séculos, tanto ano, ele, esse heroi mítico troiano, teve por seguidores inúmeros Ulisses africanos que, oriundos das ricas terras repartidas em Berlim (foi e é mesmo assim), depois de caminhadas ciclópicas, enfrentanto perigos naturais e humanos sem conta, não resistiram ao canto das sereias europeias e romperam os nagalhos que os prendiam aos mastros da fome e da miséria, decididos a esgadanharem o sonho da vida, vão rumando por terra firme no sentido sul/norte e nesse mar de outrora, de batalhas, de comércio e vida, agora, encontram a morte ou agonizam nas suas areias.
Cogito, ergum sum.