Na ordem cronológica da «Imprensa Local» de Castro Daire, entrou um jornal que tinha por título «Castro Daire». Nasceu em 30 de Novembro de 1917 e era seu Director e Editor Alfredo Semedo. Dizia-se «Órgão mensal, independente, defensor dos interesses locais».
PRIMEIRA PARTE
A primeira página do primeiro número abre com um esclarecimento da «Redacção» acerca dos seus propósitos:
«Foi resolvido entre os seus proprietários adoptar uma acção independente, em prol do concelho, não poupando eja quem for que, a nosso ver, para o bem dos seus interesses pessoais prejudique o bom andamento dos negócios públicos, o progresso e a civilização desta terra que nos propomos defender com energia».
O artigo de fundo, também, na primeira página, versa sobre «A INTRIGA». Assim:
«Pessoas há que infelizmente dela vivem, ela é o seu prazer, o seu passatempo predilecto. É assim que ela fervilha ignóbil por toda a parte, pulula no campo e na cidade. Anda de dia e de noite, à socapa, disfarçada e cobarde. Alberga-se em todos os cantos, quer nos soalheiros, à mesa dos hotéis ou restaurantes e sobretudo, à flor desses lugares públicos vulgarmente chamados pasmatórios. Irmã gémea da inveja, espicaçada por esta sarna do espírito, assalta furiosamente a honra e dignidade dos outros e principalmente daqueles que tratou de perto, que às vezes foram os seus maiores amigos, mas que por um motivo qualquer, lhe tomaram uma dianteira, ou não lhe fizeram uma vontade, lhes caiu no desagrado (...) De cada vez é maior a tribo dos amantes da intriga, principalmente nos meios pequenos, como é o nosso, onde a vida do mais simples cidadão é posta na vitrina do escândalo».
SEGUNDA PARTE
Estávamos no primeiro quartel do século XX. Hoje estamos princípio do século XXI. Estudar o passado, apoiados em documentos, com enfoque nos comportamentos e mentalidades das pessoas, não nos dá margem para muita especulação. Mas quem é capaz de dizer que este texto não tem plena actualidade, relativamente ao pensar e agir de muitas pessoas que conhecemos, que nos dão palmadinhas nas costas, que nos dão os mais rasgados elogios e sorrisos e, logo depois, nos retalham corpo e alma com a lâmina maldizente da sua língua viperina?
O «intriguista» é conversador, mas não conversa, cochicha, fala baixinho, jeito que lhe fica do confessionário onde, frequentemente, pede absolvição, baixinho, dos pecados diários que comete baixinho. Vai à missa, diz simultaneamente bem e mal de A e B conforme as circunstâncias e as conveniências do momento. O «intriguista» é um falsarrão. Não tem carácter. Não tem palavra. Não tem ética. Não tem moral. Existe, mas é um ser nojento, anti-social, nesse seu gosto de sociabilidade soalheira e maldizente. O «intriguista» só adormece descansado depois de tomar a dose diária de comprimidos manipulados no laboratório da «intriga».
O «Castro Daire», 1917.
O «Notícias de Castro Daire», 2006.
Abílio/2006 (mais palavras para quê?)